sábado, 6 de agosto de 2011

Esta tarde não era diferente das outras, só mais uma de Pedro com seu avô, Geraldo. Algumas daquelas que se tornam apenas lembranças.
- Mas Vô, por que escreve tanto?
- Ah Pedro, escrever é libertar-se.
- Mas libertar-se do que Vô?
- Pedro, dentro de nós existem várias pessoas, e às vezes precisamos matá-las ou contê-las para não tomarmos certas atitudes.
- Quais atitudes Vô?
- Atitude qualquer que não seja racional, principalmente. Escrever é emocionar-se para si. É realizar em mente a atitude desejada, mas que não deve ser feita. É falar o que nunca falou. É contar uma história com seu ponto de vista. Mas você é muito novo, meu neto.
- Novo que nada, já entendo essas paradas aí, são legais pra caramba.
- Então por que não tenta?
- Ah não, Vô. Já escrevo pra escola.
- Então agora escreva para si. Qualquer coisa que queira desabafar, ninguém vai ler, só você.
- Vô, fica para uma próxima, estou com a cabeça muito cheia.
- Mais um motivo, mas você quem sabe. Sei que não gosta dessas coisas, mas deveria experimentar novas ondas, tá ligado?
Risos surgiram por ali, da parte dos dois.
- Não é assim que se fala. Mas, tô ligado Vô.

2 dias depois

Pedro tem a pior notícia que poderia esperar: Não havia passado no vestibular. Seu nome não estava na lista de aprovados.
Ficou paralisado por alguns longos minutos, logo escorreu a primeira lágrima, e como se tudo aquilo fosse a gota d'água de seus problemas, começou a chutar, estraçalhar as coisas, objetos quebravam, voavam. Seu quarto havia se tornado um campo de batalha contra si mesmo.
Não sabia o que fazer agora. Sua vida tinha acabado naquele instante. Já havia perdido os  pais poucas semanas antes em um acidente, não teria com quem contar. Gostava de seus avós,  mas para ele isso seria uma humilhação, a qual desejaria nunca passar.
Pensamentos grotescos, frios, de desgosto, raiva, começaram a passar em sua cabeça, um ódio de si, sentia-se incapaz. Não podia acreditar que tudo isso estava acontecendo. Caminhava de um lado para o outro do quarto, ecoavam-se os gritos. Gritos de um garoto que não aguentava mais reter, guardar, segurar tantas emoções, frustrações, perdas, sentimentos sem começo. Um pensamento vago e único que às vezes, não, muitas vezes, perturba a cabeça de pessoas que tem medo de viver mas tem coragem de matar-se.
Suicídio. Bastou alguns segundos com esta ideia  e já parecia decidido. Seria isso e acabaria com tudo. Como faria? Pulando do prédio de 14 andares que morava? Cortando-se? Não tinha ideia. Isso resolveria? Talvez, ao menos não teria que suportar tantos outros acontecimentos que estariam por vir como o de, humilhação, negação da menina que pedira em namoro, perder mais pessoas, não seria capaz de acordar com tantas outras frustrações que estaria sujeito a enfrentar.
Lembrou-se do dito: "Escrever é libertar-se, é matar alguém dentro de si". Resolveu tentar. Não estava paciente o suficiente e mal podia segurar um lápis. Rangia de raiva. Não havia solução.
Sentou-se na cadeira e ficou a olhar para o papel em branco enquanto lágrimas escorriam pelo rosto. Resolveu perguntar ao avô porque não conseguia escrever, mas não havia ninguém no apartamento. Mandou uma mensagem, já que não queria que o Vô escutasse sua voz de choro pelo telefone.
"Por que fico pensando mas não consigo escrever nada?" mensagem enviada apareceu em seu celular.
Nova mensagem: "É que tem que encontrar algo dentro de si."
"O que?"
"Só irá saber quando encontrar, enquanto isso seus pensamentos vão jorrando tudo que pode, como chuva quando cai. Escrever precisa de concentração, precisa ser natural, pessoal, real, mesmo que seja só para você. Não é um exercício fácil"
Leu rapidamente. Continuava pensando e a olhar para o papel. Não sabia o que procurar, por onde começar, enquanto isso aprendia a expor ideias, escolher melhores pensamentos, buscar textos já lidos, mesmo que fossem poucos. Começou. Uma palavra, duas, três, quatro e em poucos minutos já tinha um parágrafo. Escrevia coisas tristes mas mostrava um sorriso na face, sabia que estava conseguindo fazer a tal terapia do avô. Não perdeu o foco. Foram ali mais de três páginas, em mais ou menos duas horas e meia, estava aliviado porém já com as mãos doendo.
Levantou-se e sorria. Nem parecia ser o mesmo garoto que destruira o quarto de raiva. Estava aliviado, sentia-se leve, aquelas palavras tiraram dele o peso de tudo que carregara até o instante.
Começou a escrever todos os dias, adorava perder-se entre as letras e palavras para re-encontrar-se nas frases e nos textos. Pouco sabia que estava a tornar-se um dos grandes escritores, e aquele seria seu primeiro livro.

Vick B. (@vickthatsme)

2 comentários:

  1. quando você se encontra em um texto.
    só assim pra eu me salvar de mim mesma.
    adorei!

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  2. E digo mais, escrever é libertar "muitos" de você dentro de si. Adorei a história. Beijos.

    Au revoir.

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